O mundo do trabalho está a mudar. E, com ele, os modelos que até aqui foram regra. A tão badalada semana de trabalho de quatro dias — já testada em outros países — entrou na agenda mediática após o Governo anunciar a sua implementação em algumas empresas para testar a eficácia da medida, bem como o aumento de produtividade.
Apesar de ser já um tema com alguns anos e que remonta aos tempos de intelectuais como Benjamin Franklin, Karl Marx ou John Maynard Keynes, que desenvolveram teorias sobre o assunto, é também indesmentível que a pandemia foi a força motriz para renascimento do tema: permitiu que trabalhadores e patrões percebessem que não é o horário fixo ou a presença física que determina o cumprimento de obrigações.
Mesmo com os colaboradores afastados dos escritórios, o trabalho continuou a ser feito. Mais: bem feito. Gerou-se, até, um efeito contraproducente, em que as pessoas trabalharam mais horas em casa do que nos escritórios. Para quem não esperava este padrão trazido pelo teletrabalho, a surpresa foi, de facto, gigante.
Outros assuntos há, porém, que vêm ancorados a este debate. A saúde mental dos trabalhadores, bastas vezes assoberbados de trabalho e, por via disso, desmotivados e menos produtivos; a urgência climática, que com uma diminuição em massa da utilização dos meios de transporte individuais, ajudam, pelo menos nos grandes centros urbanos, a melhorar a qualidade do ar nestes locais; a tecnologia e sua evolução é outro dado que se junta ao outros dois: a mecanização do trabalho, bem como a autonomia de algumas máquinas são factos óbvios e que retiram peso ao envolvimento humano em tarefas que a sua presença era insubstituível até há alguns anos.
Pontos que dão para outros artigos e desenvolvimento maior, mas que servem para identificar alguns dos motivos pelos quais a discussão sobre a semana de trabalho de quatro dias está, hoje, na ordem do dia.
Semana de trabalho de 4 dias em Portugal: o que se faz por cá?
Apesar do anúncio do Governo, subsistem algumas dúvidas sobre a implementação da medida, pelo menos a curto prazo — apesar dos testes previstos em algumas empresas do setor público e privado.
As vozes que cedo bradaram contra este modelo alegam que, devido ao défice de produtividade português face aos congéneres europeus, reduzir a semana seria um erro e comprometeria ainda mais qualquer tentativa de diminuição desta distância.
Ainda assim, não é consensual se o efeito sobre a produtividade é negativo ou positivo: há até quem defenda que uma semana mais curta favoreceria um desempenho superior, já que viria alavancada de uma maior motivação. Tanto no encurtamento da semana de trabalho como no aumento dos dias de descanso, potenciando mais momentos com a família, lazer e consumo — um dos argumentos usados pelos defensores desta ideia referem que mais um dia de folga leva a um maior consumo, sendo benéfico para a economia.
Por cá, o exemplo mais visível da aplicação da semana de quatro dias é o Doutor Finanças. Após uma primeira experiência em agosto de 2021, em que os seus colaboradores não trabalharam à 6ª feira, a empresa voltou a um modelo parecido em maio deste ano: é dada a tarde de 6ª feira ou a manhã de 2ª feira e nos restantes dias trabalham menos uma hora. Ou seja, são 32 horas de trabalho semanal, ao contrário das habituais 40, e os rendimentos mantêm-se inalterados.
No fundo, e segundo os responsáveis da empresa, a aposta neste modelo tem que ver com a procura por novas formas de trabalho, essencialmente flexível, encontrando soluções que vão ao encontro das necessidades e bem-estar dos colaboradores. Por outras palavras, à redução da carga horária, junta-se a já mais implementada possibilidade de trabalho remoto.
Também a Xerox ou a JLL, ambas em Portugal, dão a tarde de 6ª feira aos seus colaboradores, o que mostra que este caminho de flexibilização do trabalho está, embora de forma paulatina, a ser trilhado.
Algumas empresas ligadas à tecnologia ou a áreas criativas têm conseguido aplicar este modelo, aparentemente, sem afetar a produtividade. A possibilidade de negociar com os seus clientes um prazo de entrega permite, internamente, gerir o esforço para que os colaboradores possam, por exemplo, não trabalhar à 6ª feira.
Ainda assim, o que se nota é que há um aumento substancial da carga nos restantes dias da semana de forma a libertar um terceiro de folga. Apesar dos índices de satisfação junto de quem vive esta realidade, não é este o modelo pensado de raiz, já que cria paralelamente uma espécie de ansiedade para fechar todas as tarefas naqueles quatro dias de trabalho, o que pode não ser positivo para as duas partes: patrões e colaboradores.
Semana de trabalho de 4 dias lá fora: como é?
Islândia, Japão, Nova Zelândia e Suécia são alguns dos países onde este modelo tem sido testado. Algumas das conclusões são positivas, mas, a notar pela não adesão em massa por parte das restantes nações, aquelas não serão totalmente concludentes para que a sua aplicação seja feita sem reservas.
O caso islandês talvez seja o mais conhecido: as primeiras experiências desenvolvidas passaram por oferecer aos trabalhadores o mesmo salário por menos dias. Os resultados, até à data, parecem animadores, havendo relatos de um enorme bem-estar sem prejuízo da tão relevante produtividade. Na Suécia — na Escandinávia este tema já tem barbas grisalhas — os resultados, embora menos brilhantes em comparação a Reiquiavique, são positivos.
No Japão, o executivo tem incentivado as empresas a darem um passo rumo a esta forma de trabalhar. Um dos principais argumentos usados tem que ver com motivos económicos e já aflorados uns parágrafos acima: com mais um dia de descanso, as pessoas acabam por aumentar o seu consumo, impulsionando a economia.
De uma forma geral, países como a Dinamarca, Noruega, Países Baixos ou Alemanha possuem índices de produtividade mais altos que Portugal, Espanha, Itália ou mesmo Reino Unido, levando, por isso, a uma implementação mais célere deste modelo laboral. Este é, aliás, um dos grandes cernes da questão: a produtividade, palavra cara, que em Portugal tem motivado grandes debates e que alguns pretendem primeiro resolver, para só depois implementar estas novas formas de organização do trabalho.
Porquê quatro dias de trabalho? Vantagens e desvantagens
A resposta aponta para várias direções e já aqui foi explicada neste artigo, mas, em jeito de resumo da matéria dada, faz sentido deixar as principais considerações associadas ao tema.
Não! O objetivo deste modelo de trabalho não passa por fazer com os indivíduos trabalhem nestes quatro dias as horas que trabalhavam nas anteriores cinco.
Não! O objetivo deste modelo de trabalho também não passa por uma redução salarial dos colaboradores.
O que se pretende, então, com a semana de quatro dias de trabalho?
O aumento da produtividade dos trabalhadores salta à vista como razão primeira: colaboradores sobrecarregados e habituados a horas extra são, ao contrário do que se possa pensar, menos produtivos.
Associado a este tema, está a gestão mais eficaz do tempo, que leva a que estes tenham maior foco e atenção nas suas tarefas. Há menos espaço para distrações e uma maior necessidade de gerir corretamente o tempo disponível.
O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é, também, uma das razões mais fortes para implementação deste modelo: haverá uma maior disponibilidade para a vida fora da empresa, aproveitando, assim, o tempo livre para amigos e família.
Menos vezes comentada na implementação da semana de quatro dias de trabalho é a diminuição do impacto ambiental: a pegada de cada trabalhador é reduzida ao não existirem deslocações para o trabalho — algo que o teletrabalho também proporciona.
A redução de custos nas empresas é outro dos ganhos mais visíveis já que os gastos em água e luz diminuem de forma acentuada.
E por aí: estes novos modelos de organização de trabalho fazem parte da sua agenda?